sábado, 12 de dezembro de 2009

As Termas de Tamengos-Palace Hotel da Curia de Norte Júnior, Piscina Paraíso e Pavilhão de Raul Martins.


Esta é a segunda piscina olímpica construída em Portugal.A primeira foi a do Sport Algés e Dafundo também de Raul Martins, no cinema Stadium,projectado pelo arquitecto Raul Tojal( V.José Manuel Fernandes, «A arquitectura Modernista em Portugal»,1973

«...Instalações/ património construído e ambiental
Num parque florestado de 14 hectares, encontram-se os edifícios termais, que conservam a sua arquitectura Arte Nova, a monumental buvete, o casino desactivado, os antigos balneários e a velha casa de chá à beira de um lago artificial que serpenteia entre o arvoredo. Ainda dentro do parque, encontra-se o Hotel das Termas.
Em volta do parque desenvolve-se a Curia urbana com as suas avenidas de hotéis, pensões, restaurantes, lojas e serviços, onde se destaca pela sua arquitectura o Grande Hotel da Curia e o Palace Hotel (1924), este último com traçado do arquitecto Norte Júnior por encomenda do empresário hoteleiro Alexandre de Almeida. Nos jardins deste hotel foi inaugurada em 1934 a “Piscina-Praia”, uma curiosa construção em forma de navio, desenho do arquitecto Raul Martins.

Natureza
Sulfatada Cálcica, hipotermal  

Alvará de concessão
Alvará de 31 de Dezembro de 1902, publicado no DG, n.º12, de 16 de Janeiro de 1903
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Historial
Em 1863 o engenheiro francês Chapelle, contratado para a construção da linha férrea do Norte, aplicou as águas da poça da Curia da Mata, nascente utilizada por residentes da região em doenças de pele e reumatismo, num tratamento de um “mal que tinha nas pernas”. Os bons resultados obtidos depressa se espalharam e a fama curativa das águas não parou de crescer.
Desta data até à primeira análise de Lepierre em 1897, sabemos que a exploração pertencia por direito à Câmara da Anadia, que não lhe dedicou nenhuma especial atenção, limitando-se o balneário a um barracão em madeira. Terá sido o médico “do partido municipal da Mealhada” (Sarzedas,1907), Luís Navega, a encomendar esta análise ao químico francês, já então radicado em Portugal, para a formação de uma Sociedade de Águas da Curia, concretizada em 1889, da qual este clínico foi o principal mentor e director clínico desta estância durante 40 anos.
Desta sociedade faziam parte outros notáveis da região, como Maria Emília Seabra da Costa, casada com Luciano de Castro, líder do Partido Progressista e chefe de vários governos no último período do regime monárquico. Outro dos sócios foi Albano Coutinho, de que falaremos mais abaixo.
Nesse mesmo ano (1900) foram feitas as primeiras captações de água, em poços de alvenaria rectangulares, nos locais em volta das três principais nascentes: a principal, a férrea e dos olhos, de onde as águas eram conduzidas para um balneário “bastante rudimentar” (Melo, 1902, cit. Acciaouli, 1944, IV: 104).
O alvará de exploração foi concedido à Sociedade de Águas da Curia em 31 de Dezembro de 1902; um segundo balneário foi inaugurado em 1903. Tenreiro Sarzedas (1907), no seu relatório de 1906, na sequência da visita como “Inspector Médico”, considerava esse balneário "modesto e um pouco acanhado, é certo, mas dotado com o indispensável para a exploração das águas da estância."
Este “indispensável” consistia em dois gabinetes com banheiras de mármore, para banhos de 1ª classe, e oito banheiras de zinco, quatro destinadas à 2ª classe e outras quatro à 3ª classe. Além disso contava com uma piscina de 8x5 m, duche de agulheta, duche circular e “duche de chuva”.
O relatório é bastante elogioso no que respeita à salubridade do local, à assistência médica e às análises feitas por Charles Lepierre das nascentes Principal (repetida em 1902), Olhos e Férrea, analisadas em 1904. Mas no que respeita à Buvete e ao engarrafamento das águas, o inspector não poupou críticas: “A nota clínica preciosa da Curia é dada pelo uso da água, quando bebida. E a esta nota deve corresponder um padrão condigno, que bem o merece, e que deve ser representado por uma buvette luxuosa.”
No ano da inspecção acabara de abrir o Grande Hotel, “muito confortável e de edificação cuidada”, o terceiro que os aquistas tinham à sua disposição, para além de um na sede de Freguesia, em Tamengos, e outro na Curia, que perdia definitivamente a toponímia de “Mata da Curia” para a denominação actual. Uma toponímia à partida latina, mas será abusivo deduzir uma exploração romana destas águas, parecendo mais lógico que essa mata fosse de prelados, um cura ou curas proprietários do local, daí “Curia”.
Desconhece-se a data em que Albano Coutinho entrou na Sociedade de Águas da Curia; mas se ao médico Luís Navega, que foi “distinto director clínico”, se deve a sua descoberta para a hidrologia médica, a Albano Coutinho deve-se a transformação do local numa estância termal e de veraneio de qualidade, uma aposta financeira no turismo, então praticamente inexistente, ou só existente em discussões parlamentares e vagos apoios financeiros à construção de hotéis prometidos no final do regime monárquico e no regime republicano.
Foram precisamente sobre a legitimidade da propriedade da Sociedade as discussões na Câmara Republicana de 11 de Setembro de 1911, onde a personagem do senador Albano Coutinho foi posta em questão.
 “Ora, Sr. Presidente, depois dos factos verdadeiramente criminosos que apontei, só me resta pedir ao Sr. Ministro do Interior que entregue ao poder judicial o senador Albano Coutinho, visto que eu entendo que a República deve ser mais generosa com aqueles que prevaricaram dentro do regime monárquico do que com os que dentro da República, à sombra dos cargos que ocupam pretendem cometer verdadeiros crimes como os que acabo de relatar à câmara.” Era esta a “sentença” que o deputado Marques Costa proponha à assembleia, na sessão de 1 de Setembro de 1911, contra o indivíduo que “sendo governador civil, era também presidente da companhia de águas da Cúria”.
O caso remontava a 3 de Novembro de 1910, menos de um mês depois da implantação da República. Albano Coutinho, na sua qualidade de presidente da direcção da Sociedade Águas de Cúria, apresenta um requerimento à Comissão Municipal Administrativa da Anadia, onde se pedia o arrendamento por 99 anos para “todas as nascentes da Cúria, incluído aquela junto da qual se construirá o lavadouro”. A Sociedade obrigava-se “1º A dar de renda a quantia de dez mil réis; 2º A construir por sua conta o lavadouro já referido;3º A nunca embaraçar o percurso das águas destinadas à rega dos prédios que a ela têm direito”. No mesmo dia, a Comissão Municipal deferiu o projecto a favor da sociedade, dando poderes ao cidadão presidente para “outorgar, por parte da Câmara na escritura de arrendamento à dita sociedade”. O contrato infringia a Lei de Exploração de Águas Minerais e o Código Administrativo, por não ter sido feito um concurso em hasta pública.
O deputado referiu que o governador civil que lhe sucedeu, Rodrigo Rodrigues, “logo que teve conhecimento deste caso, mandou proceder a uma sindicância […] Se a Câmara consente leio um resumo apenas”. E leu parte do ofício feito a partir dessa sindicância e enviado ao Ministério do Interior a 16 de Junho de 1911, que a dado momento relata os acontecimentos: “Apura-se que o mesmo indivíduo, sendo governador civil, era também presidente da companhia das Águas da Curia, única interessada no contrato; que foi ele quem nomeou a comissão que havia de fazer o contrato; [...] Que foi assistir à sessão da comissão em que tal foi apresentado por um membro a quem se diz que ele próprio entregou; que veio depois a sancioná-lo com a sua presença na comissão distrital, a que, por lei, nem podia comparecer; que por seu punho fez clausulas que não estavam na acta da câmara …”        
O debate continuou com intervenção do ministro do Interior, do deputado Francisco da Cruz e do ministro da Justiça, que era então Afonso Costa, este, a dado momento da sua exposição, relata, que: “o ex-governador civil de Aveiro, o Sr. Albano Coutinho, não era a primeira vez que tentava adquirir, em condições ilegais e imorais, o arrendamento das águas da Cúria por 99 anos. Esse pensamento já vinha de trás. Ainda sobre a monarquia foi dirigido um ofício ao Sr. Sampaio, presidente da Câmara Municipal de Anadia, que era um homem honrado, para que ele permitisse esse arrendamento. Sampaio recusou-se da maneira mais formal a fazer semelhante cousa, e o que não pôde fazer-se sobre a monarquia, sob um regime de erros, e quase por toda a aparte de latrocínio, de crápula e de vergonha, obteve-se na República […] Desde Dezembro que o assunto está entregue às autoridade, e é tempo de que a Justiça se faça. ”
Albano Coutinho publicou nesse ano de 1911 a sua defesa, O cazo da Curía: em defeza.
Se o processo seguiu, não teve consequência para o senador Albino Coutinho, que continuou com a sua cadeira no Senado da República, e na Curia a exploração pertenceria à referida companhia por muitos e largos anos, tendo a nascente Férrea sido mesmo “rebaptizada” com o seu nome.
Machado (1912), na sua excursão “hidrológica”, ao escrever sobre estas termas, mencionou com as seguintes palavras Albano Coutinho: “ A estância da Cúria, mercê da iniciativa arrojada e inteligente da sua direcção, a cuja frente se destaca a figura austera do senador Albano Coutinho, está passando uma transformação radical. O estabelecimento velho, construído em 1900 [...] no próximo ano (1913) deve ficar concluído o novo balneário a sua especializações são o artritismo do rim [...] contando casos de curas brilhantes de litiáse renal[...] … além da cura da gota”
De facto, em 1913 foi inaugurado um novo balneário, no ano seguinte, uma nova buvete. Na década de 20 o balneário seria reformado e ampliado e o empresário Alexandre de Almeida investiria num novo hotel, o Palace. O parque termal definia-se em volta do grande lago, onde não faltava o casino. Os hotéis multiplicavam-se, a Curia tornava-se num destino termal e turístico, a animação termal era variada, com concertos, bailes, touradas, festas temáticas de beneficência, campos de ténis e hipódromo.
Em 1934 é inaugurada uma piscina desportiva e de lazer nos jardins do Hotel Palace, concebida numa arrojada forma de navio, que se tornou o centro de animação das termas nas décadas seguintes.
O estudo geológico da zona foi executado por Freire de Andrade em 1935, para um projecto de novas captações para abastecimento do balneário. Em 1936 é feito o estudo da radioactividade das suas águas por Pinto Bastos.
Na década de 40 pedia-se a transformação do apeadeiro numa estação de caminho de ferro. Sabemos pelo Anuário (1963), que o “Foguete”, a ligação ferroviária rápida entre Lisboa e Porto, tinha paragem obrigatória na Curia durante a época balnear. O balneário contava então com um Gabinete de Fisioterapia, no 1ºandar, “com um serviço eléctrico bastante desenvolvido, onde se fazem tratamentos de vária ordem, desde da diatermia à massagem vibratória” (Anuário, 1963: 560).
Em 1993 foi construído um novo balneário, mas essa década não foi favorável para a Sociedade Águas da Curia. A queda na procura de um termalismo tradicional, a custosa manutenção do parque e do seu património construído colocaram a sociedade numa situação financeira difícil que só nos últimos anos se têm vindo inverter, com apoios comunitários e a aposta em novos programas termais de turismo de saúde. Para esta revitalização contribuiu também a construção de um campo de golfe, iniciativa concertada dos Hoteleiros da Câmara e da Junta de Turismo em parceria com a Sociedade.»

“Das termas aos "spas": reconfigurações de uma prática terapêutica”
Projecto POCTI/ ANT/47274/2002 - Centro de Estudos de Antropologia Social e Instituto de Ciências Sociais

3 comentários:

luis tavares disse...

Já andei cá por casa à procura de fotos da época,que as tenho...o pior é encontrá-las

Gastão de Brito e Silva disse...

Grande Post...o Alexandre Almeida podia patrocinar este blog ;-)~

E lá está o meu avô...o engº Freire d'Andrade, que certamente foi amigo do Raul Martins...é engraçado os netos encontrarem-se por aqui...

Um abraço iluminado

Gastão

luis tavares disse...

Grande abraço!